domingo, 29 de agosto de 2010

305 dias

Percebo que ainda posso ser surpreendida. Percebi que os meses vão passando pela minha frente e, por mais que eu queira me enganar, dói. Dói a dor dos rejeitados, dói a dor dos que não foram capazes de gerenciar o sentimento. Dói calado, porque não cabe mais falar, não cabe mais chorar, nem sofrer em público.
Percebo que não se completou até então um dia sem que a lembrança viesse até mim, sorrateira, me mostrar como fui feliz.
E como fui tola. Como pude ser capaz de pensar que estarias sempre ao meu lado mesmo sendo eu tão sonsa e mesquinha. Em verdade digo que amei tanto que tranbordei.
Temos uma lista de planos não concluídos, viagens não feitas, palavras guardadas, sentimentos congelados. Temos uma vida que não acontecerá. Tudo está em nossas gavetas.
Neste domingo reinicia-se o ciclo que marcou nosso começo. Estarei às voltas com parentes e lembranças mais fortes. Cheiros. Os mesmos cheiros da casa acolhedora virá até mim por meio deles.
O cheiro doce do 2º andar.
A dor de lembrar do cheiro dói mais que as demais dores. Dói sem controle. Invade as células olfativas sem que possamos mediar. É uma lembrança selvagem. Faz rir, faz chorar, faz qualquer coisa que movimente meu pensar.
Hoje tenho você mais forte em mim.
Hoje estou apaixonada pelas lembranças. Pelo que existiu em mim, pelo unilateral.

10 meses.

sábado, 28 de agosto de 2010

Clarice me disse


"... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.

Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer.

Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.

Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi.

E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteiro com a alma também.


Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso."

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Eu, Senhora da Magia

Eram das poucas horas da madrugada, daquelas que permeamos entre o sonhado e o vivido. Morgana falou algumas tantas coisas sobre ter partido para sempre. Deixou vestígios de pensamentos na barca e em minha cabeceira, perto do Carlos Heitor Cony e do Molière.
Adormeci, não certamente, mas entendi desta forma. Constatei que estava em minhas velhas terras lembradas, todavia não pude mensurar o quão velhas eram, pois não fui capaz de distinguir Avalon de Juazeiro ou de Cartagena.
Lembro de cruzar um velho túnel de Botafogo, com poucas luzes. Ao meu lado pude reconhecer meu filho, Lancelote, e senti vergonha por aceitar chamá-lo desta forma, como que por um apelido juvenil. Percorremos a extensão completa do túvel quando a cena se enturvou e fui dar conta de mim dentro da barraca de camping dos Weasley. Fui me encontrar onde te determinei ausente, onde te desenhei morto.
Em seu lugar, vi uma harpa.
Gastei uns incontáveis minutos descrevendo mentalmente aquela imagem. Perdi palavras que precisava e encontrei algumas que sequer existiam. Era uma harpa enchuzena, malepina e sifonostélica, podendo até dizer ectoflóica. Sua madeira era deprimida, colabada e achatada, de conteúdo castanho. Melodiava alguns encantamentos que eu mesma criei. Materializei mãos nodosas quase tufadas que a dedilhavam desgraçadamente, reproduzindo um som encantado e absurdo que dançava entre a satisfação e o desespero.
Eu, Viviane, Senhora de Avalon, representante viva da Deusa, Grã-Sacerdotisa, me vi a mercê dos meus sonhos, percorrendo o pedregoso caminho do desconhecido. Tateando cenários etéreos.
Se era sonho, se era Visão, se eu controlava ou não, era algo indistinto.
Entre a fantasia,
o fantástico
e o fantasmagórico.
Eu era eu e era ela, eu era mãe, tia e Deusa. Era senhora de mim, caminhando para o fim dos meus sonhos.

Acordei num chute, a 70km/h, numa liteira a caminho da realidade.
Prochain arrêt: Champs-Elysées



quinta-feira, 19 de agosto de 2010

"O que eu gostaria de dizer"


Tento negar pra mim mesma, todo dia, toda noite. Tento explicar com palavras firmes e certeiras, tento sufocar essa bruma rósea que paira na minha frente. Tento fingir que os dias não são melhores e que os risos não são nada além de hábitos. Estou tentando me enganar. Sorrateiramente, sensações invadem minh'alma abandonada. Sinto meu corpo ser esterilizado em cada canto que mofava em desamor. Vejo nuvens densas abandonando meus passos, dando espaço para a doçura dos dias vividos. Aceito de bom grado as chances de viver em paz e com o calor de se estar feliz. "Não há melhor lugar para estar do que estar contente" Eu nem sei onde estou, em que nível de contentamento eu parei. Não sei se chamo isso de satisfação, muito menos se tem um nome. Mas sei que desejo a intimidade dos dias vividos e a leveza dos sentimentos ofertados.

não nego não explico não sufoco não finjo não me engano

Sei que não passam de instantes e que posso perdê-los no momento em que alguém tiver a coragem e o prazer que tive em se esforçar para te proporcionar o que propus.
Alguém melhor, alguém digno, alguém que lhe seja suficiente.

Como eu não sou.

domingo, 15 de agosto de 2010

afinidade é dos poucos sentimentos que resistem ao tempo e ao depois

Encontrei este texto nos papéis juvenis de mamãe. Ela colecionava coisas do Arthur da Távola desde muito novinha. Li estas anotações umas três vezes. Senti um misto de emoções que não soube distinguir se era carinho pela minha mãe, carinho pela semelhança da nossa juventude e pensamento, carinho pelo Arthur da Távola ou pelo que dele saiu, pois é um texto atemporal, transparente e aplicável (e eu me dei conta de que essa palavra cabe não só nos laudos de análise do meu laboratório).

Anfã, degustem...

''A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente, também.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.

É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.

A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.

Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem
para buscar sintomas com pessoas distantes,
com amigos a quem não vemos, com amores latentes,
com irmãos do não vivido?

A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu
o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação
exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas
nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades
ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.

Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois
encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,
ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,
plantios de resultado diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas.

Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.''

(Arthur da Távola)


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Quando cansei de esperar você (sobre o dia que acordei)

a vida se indispôs pra mim.
depois impôs a obrigação de sobreviver

e, finalmente, pôs as formas definidas na minha frente para que eu pudesse entendê-las.

Quando cansei de esperar você
Alcancei notas mais graves e passos marcados
Regularizei a desordem na minha cabeça
o caos que eu entendia e controlava.

Comecei a frasear orações curtas de fácil entendimento.
Apaguei algumas luzes acesas desnecessariamente
Aprendi que palavras técnicas podem soar bem poéticas

Minha mão e meu pé passaram a me educar.

Passei a carregar comigo sonhos que atendem por outros nomes
Sonhos que gostaria de citar, mas esqueceria de outros tantos,
e sonhos têm seus melindres.
Quando cansei de esperar você, entendi o clichê e o seu porquê.

Vi a minha vida mudar de cor.
Ela andava em tons pásteis, ocasionalmente pintada das cores que você determinava.
Meus dias foram cinza quando os problemas eram seus
Atingiu tantas nuances a sua maneira, até enferrujar por completo.
Até que não havia mais cores para enxergar e distinguir.

"Minha alegria voltou, brilhando no alvorecer
Quando deixei de amar e esperar por você."

(Escrito em 17 de abril de 2010)

domingo, 8 de agosto de 2010

Ela dizia que parecia uma despedida...

...E eu renascia.

Ainda me lembro. Vagamente, eu sei. Nunca fui bom em detalhes. Ela dizia que isso era egoísmo. Eu nunca concordei.
Ela era doce, era certa, era voraz. Mas não era ela. Como num susto, aconteceu uma explosão.
Ela se fez em mil pedaços e não havia mais porquê tê-la comigo.
Jamais pensei reduzi-la a tão pouco. Mas aconteceu.

Ok, mentira.

Acontece que sempre tive a certeza de que ao seu lado não daria. Era mesquinha, cruel e sutil.
Tornou minha vida uma chatice medíocre. Desenhava meus passos, pisava nas minhas palavras e depois voltava de coração sangrando.
Não sei se por inveja, ciúme ou qualquer outro sentimento pequeno, você me ridicularizou a cada instante que se via ameaçada na sua velhice precoce.
Eu te amei de verdade. Eu me vi feliz por muitas vezes. Ela tinha tantos encantos.

Mas sua insegurança me estressava. Cheguei num ponto máximo de fadiga emocional.
Por tantas noites dormi chorando, por tantos dias abri mão de tantos planos. Por muito pouco perderia minha juventude.
Você, que não viveu intensamente por duas décadas, queria roubar as minhas. Se ao menos quisesse revivê-las ao meu lado. Mas, não. Pra você era mais cômodo privar-me dos meus anos. Não seria glorioso pros seus planos não me ver definhar.

Só que eu acordei. E vi que a vida sem você corre mais rápido.
Eu perdi você, e ganhei o mundo.
Você que era doce, se fez amarga.

Te pintei lindamente numa tela e vi as tintas escorrerem tecido abaixo.
Eras um cascalho no meu sapato.
Você pra mim virou espinho, virou dor, virou um peso.
Eu dei as costas a você e fui feliz.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

recapitular

Estou a uma semana sem inspiração.
Não consigo pensar, não consigo escrever, muito menos sentir.
É difícil se quer acreditar, quão menos admitir o porquê da desinspiração.
Me incomoda concordar.

Certa vez, ele me disse que quando estamos doídos somos poetas.
Quando estamos aflitos, somos almas inspiradas.
Hoje eu sou capaz de viver sem fechar os olhos contra a poeira dos meus dias.
Eu sou capaz de andar no vento sem o medo de ser carregada.

Mas sou indigna de uma inspiração decente.

Eu me vejo tão senhora de mim que não escorre de mim uma droga de um verso.
Deito-me em silêncio, acordo com lápis e papel. Não deixo escapar um sopro de idéia.
Mas não é suficiente.

"trocamos confissões, sons,
no cinema, dublando as paixões
movendo as bocas
Com palavras ocas
Ou fora de si
Minha boca
Sem que eu compreendesse
Falou c'est fini
C'est fini

Tantas palavras
Que eu conhecia
E já não falo mais, jamais
Quantas palavras
Que ela adorava
Saíram de cartaz"

terça-feira, 3 de agosto de 2010

(in)versos

Lentamente cubro meus dias de medo
Experimento a dor de ficar calada
Inspiro o ar dos desvalidos de amor
Reanimo as quimeras da incerteza
Borbulho o ácido dos instantes sem paz
Aguentando o eco surdo dos sentidos oprimidos
Gargalhando à desgraça de viver só.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Desmonte alguns versos
E recrie uma poesia
Desarranje uma canção
E componha algo melhor
Ouça o mesmo conselho
E aplique a todo instante
[em vidas diferentes
Escreva uma carta
A mesma carta pra outra gente
Sorria pelos motivos contrários.
Troque sua vida por outra melhor
Volte uns minutos e reviva
Escolha melhor seus amigos
(E perceba que escolheria os que já possui)
Desconstrua a correria
E crie novos prazeres
Viva a vida de outra pessoa
(e que essa pessoa não dê falta da vida dela)
Voe com asas de plástico
Morra caindo, sentindo o vento empurrar seu rosto
Desfaça um engano
Conte uma mentira e não volte atrás
Perturbe as coisas decididas
Incomode o que já está pronto
Estrague