terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Apanhador de Desperdícios - Manoel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios

domingo, 28 de novembro de 2010

ah, os líquidos...
essa sede.
essa sede de suor, lágrimas e outros tantos que escorrem pela vida acontecida.
essa sorte de se achar a solubilidade ideal,
que combina com perfume,
cheiro de cabelo,
violino
e encaixe.

passei meus dedos nas costas e senti arrepio.
sem escolher a ação, o movimento conduziu disparo elétrico.

minha sinapse diz l'instant.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Escrever sobre Ana Clara

Existem duas na minha vida.

Ana Clara prima de Lucas, mas que ama Gabriel. Seu outro primo.
Tem a Ana Clara que olho de longe. A Ana Clara que eu sinto ciúme.
A Ana Clara que, de tão próxima, eu sinto dor. Dor por ela. Dor pela dor de Ana Clara.

A primeira eu conheço há pouco. 2 horas. Uma voz fina, fraca, fanha. Ana Clara de boca suja de chocolate.
É a clara por assim dizer. Clara de idéias, certa de escolhas. Com seus poucos anos sabe do amor e do valor do rosa com lilás. Seja numa chupeta, seja na sua motinha. Aninha doce, pura e cheia de esperança no dezembro.

Outra Ana pede pra ser dita. Ela não chora, não poupa, essa Ana não sei.
De muitos amigos, de vida ambígua. Ana Clara feita de nuvem, caminha na linha do fim.
Fim da linha para Ana Clara. Ela morre. Fruto de muita semente, Ana Clara sem popa, muita casca.
Seu sorriso me incomoda. Sua forma de viver me faz julgar Clara. Inventou seu próprio apelido que diz ser forte, que de tão forte eu esqueci.
Ana Clara se despede sem chegar.
Eu aprendi a encarar Ana Clara. Ela existe, atrapalha, confunde. Mas é ela. A única capaz de me fazer sentir o que achei que nunca sentiria. Sentimento de deixar pra lá. Ana palma planta pelo cabelo igual. Muito de mim tem em Ana, muito de Ana vejo em mim.
Eu nunca a vi. Eu não pretendo vê-la. Tem ares de quem mata só de ver. Ana Medusa Clara. Clara quimera. Quem dera não existisse.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Café, biscoitos e nozes cinco vezes

Escrever direto. Escrita como há muito tempo não é feita. Mentira.
Mentira... mentira... mentira...
Lembrança. Risinho. Eu estou a tarde inteira deitada, pensando na apresentação que fiz, no esforço que foi montar tudo aquilo e receber um elogio. Passou. Passei... Não, ainda não.
Ah, que saudade de sair escrevendo e ser lida sem a menor, a real menor intenção de agrado. Mas sei que é dessa forma que cativo mais aquele que lê, pela graça que é tentar entender, ao menos acompanhar.
Sentada, deitada, coberta, desnuda. À vontade. Edredon, frio, calor, memória e tarefas.
Eu estou fingindo que curto esse nada, mas com um tremelique no peito de quem quer tudo. Quero tudo, todos, a todo momento do meu jeito. Gosto muito das coisas do meu jeito. Mas acho uma delícia ter que me adaptar. Acho gostosa essa proposta de tangenciar, de cercar, até ajeitar. É prático sem mudanças. É estático. É uma merda.
Voltando. Volto pro olhar vago em volta. Envolta no vento do ventilador barato, desfrutando da energia que não pago. Deitei... Parei para pensar em escrever mentiras. Mentira. Gosto muito de mentir. Essa ânsia agigantada pela invenção. Refresco os interespaços do meu cérebro com uma mentira bem contada. Eu gosto de mentir para mim mesma. Principalmente. É tudo maravilhosamente conveniente. Silêncio saudável nesse apartamento. Muito pano sobre mim, o vento artificial já citado. Na minha esquerda alguém finge que estuda. Parasitas, verminoses. Giardia Lamblia... Taenia Saginata. Solidão perfeita, estou feliz como uma solitária intestinal. Corte minha cabeça, se for capaz. À direita, alguém finge que dorme. Olha. Mentira. Uma breve descrição que só ilustra mesmo. Falta coisa na vida. Falta gente aqui. Falta de verdade.
Acabei de quebrar uma xícara que não é minha.

domingo, 14 de novembro de 2010

Algumas coincidências não são suficientes. Algumas palavras ditas ao mesmo tempo não bastam.
Preciso é que se queira tentar. Preciso pois é o sentimento autêntico que se compõe um estar junto. Preciso se faz na dúvida, no medo, no tremor. Querer por talvez, querer por falta de coragem, na ausência do não, dizendo por ser, não constrói.
Trata-se por tantas vezes de tentar, não cuidando de não errar. Erra-se com gosto e zelo por si. Zelar pelo outro vem depois. Mas logo vem. Se tarda a chegar, passa o tempo de espera e tudo se perde no abismo das coisas razoáveis.
Adjetivos regulares não se dispõe para isso. Falo de intenções intensas. Falo de tremer, de doar, falo do lugar comum que é o amor.
Falo do que não sei.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

o terceto que podia ser meu

"o homem que amo me chamou forte
não sei se sou, não sei se o amo
mas esse, me parece, é homem."

Vento


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

emudeci

sua boca, pelos, olhos.
Todos me calaram.
Encontraram seus espaços.

Quimiotaticamente
foram percebendo seus sítios em meu corpo e me fizeram silenciar.