sexta-feira, 8 de junho de 2018

Não é que você mereça os meus versos.
Não é que você seja tema dos meus  choros.
Mas é que agora, e logo agora, meu coração foi capaz de traduzir por inteiro a falência de toda criação que fiz sobre nós.
Não que você tenha me envolvido.
Não que você tenha me enganado.
Escrevi todas as palavras até então com a força dos sentimentos que me dei permissão cultivar.
Mas é que agora, e logo agora, as minhas forças terminaram. Não resta brilho, calor,  ou qualquer substantivo quente que me lembre dos choques elétricos que você me causava.
Resta memória.
Resta um vento frio batendo pele.
Sobram outras vozes, e as pessoas.
Sobra minha vontade de te cheirar ainda e muito, de acender em idéias a distância para voltar a estar junto e dividir.
Não que eu te ame.
Não que eu esteja sofrendo infinito.
Não que eu sinta toda saudade que cabe no tempo.
Mas é que agora, e logo agora, o caminho é único, cheio do protagonismo da solidão.
Resta voltar.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

pretéritas

E entre tantos silêncios,
a velha urgência.
num mar de memórias de descuido,
o mesmo amor

que nunca se cansa de ser
que se refaz em olhares
que se faz em suspiros
íntimos e antigos perfumes

As palavras passam por entre outras tantas
Que não parecem dizer da mesma língua.
A criação retorna com força por dizer que está presente
e nunca deixou de ser
e que sonha com um nunca deixar ir

feito esse amor
feito cultivo
esforço, vontade e querência
partes que se juntam e constroem
e desmoronam

para tornar a se erguer
em memória
no silêncio
das palavras desditas

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

pensata.

Por que veste essa roupa?
Por que escolhe esta bebida?
Por que este assunto?
Por que experimentou este caminho?
Por que sente medo deste lugar?
Por que acredita nesta proposta?
Por que acredita nesta pessoa?
Por que se encontra nesse momento?
Por que aceitar essa condição?
Por que ouve essa música?
Por que escolhe esse sapato?
Por que senta nesse lugar?
Por que está parado nesse lugar?
Por que se acha merecedor dessa experiência?
Por que silencia?
Por que fala?
Por que conta estas histórias?
Por que compartilha essa mensagem?
Por que pensa?
Por que pensa essa hipótese?
Por que escolhe sofrer?
Por que sorri?
Por que levanta todos os dias?
Por que aponta o dedo para esse defeito?
Por que se culpa?
Por que se desculpa?
Por que se ergue?
Por que não admite?
Por que não se acolhe?
Por que não se permite?
Por que não grita?
Por que não minimiza?
Por que não realiza?
Por que não abandona velhos hábitos?
Por que não torna a seus velhos sonhos?
Por que não sonha?

Rio de Janeiro, 1935.

Ausência

"Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada."

Vinicius de Moraes

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Sinto que as relações com o outro ocupam muitos lugares de mim.
A manhã veio silenciosa.
Mas é daquele silêncio que dói fino feito punção, que passa dentro do peito em desconforto. A sensação é de descontrole, mas de algum modo é como se estivesse calculado, previsto, quase monitorado.

A crise, e isso aprendi com minha mãe, sempre vem. Ainda que torrencial, ainda que garoando. Vem quando necessário. Percebe espaço pra acontecer ao ver as mentes intensas nas idéias fixas. É como se soubesse medir a densidade dos pensamentos, e sistematicamente afrouxasse laços que não tinham mais como apertar. Ainda sem maturidade, não aceito as crises em paz.
Desconheço qualquer procedimento que permita contorno, sou completamente sugada e experencio quase compulsoriamente a dor de não ser.