e se confirma, então, a teoria de que o adiamento das palavras está num lugar de não querer esvaziar o prazer. ou não também, porque é bem perverso chamar de prazer o que andei sentindo nos últimos dias.
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ontem localizei que a falta não é dos amigos.
é do ruído. da baderna que os outros criam, e me distraem. e eu me traio. não há saudade do um a um.
no mesmo lugar, estão os podcasts. a falação do caralho no meu ouvido.
é que hoje acordei com redesejo da música.
algum pudor me inibia, quando entendi também que era o medo de encarar mais um pouco (mais um) luto. me distanciar das obras que amo e pra onde elas poderiam me levar.
o estado à deriva me enche de medo. medo de descobrir um novo grande amor chamado silêncio. sei que adio esse encantamento pelo vazio.
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eu cuido com carinho da casa que eu não moro mais. por devoção ou memória. por gratidão aos objetos que por mim foram escolhidos, e que hoje enfeitam um espaço que não me pertence. nunca me pertenceu. aprendi a viver bem com a mágoa, coabitar com o ressentimento. não que isso não cobre seu preço.
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passei a tarde com o pai do meu filho. ex-marido, mas ainda companheiro.
atravessamos a tarde juntos com assuntos áridos da nova vida. depois de uma tarde outra, há quinze dias atrás - que guardo com carinho na memória recente, preenchida com ares de amizade profunda e risadas que não cobram nada.
enterramos a tarde na mesma terra que cobria uma discussão ainda fresca na quarta-feira anterior. falas tão mobilizadoras, ao mesmo tempo tão padronizadas. o velho tom escalado rapidamente. (que azar, meu Deus, seria se meu filho tivesse mesmo se chamado Tom, e agora ele existiria em meio a tantas dores que esse texto exala). eu me acostumei com grosserias, seguidas de silencio curto e pedido de desculpas sem reflexão.
e diante dessas palavras, reparo na velocidade dos eventos. mentira. e diante dessas palavras, começo a desmontar as peças do motor dos eventos. em tempos de escassez de assistência para engrenagens ímpares, minha alma existe nesse estado arrítmico há mais tempo que previ.