segunda-feira, 28 de setembro de 2020

há muito tempo que moro no mesmo lugar.

enquanto mastigava, pude entender.

senti o gosto de sempre
do que colocava pra dentro sem questionar.
olhei para as paredes marcadas, cheias de seus furos,
permanecem intactas
ainda que com o passar de todos os tempos.

passei os dedos pelos cantos
que mostraram notas desafinadas de um lugar
que moro há muito tempo

sem cuidar
sem trancar

as portas e as janelas se abrem.
entram entrem
fiquem à vontade não fiquem

façam o favor de me deixar
[as pessoas falam demais e qualquer coisa]
não respeitam esse lugar
que moro há muito tempo

costumam fazer do que bem entendem
mesmo sem compreender nada

é tempo de ficar imóvel
sentir o silêncio que lutei
é tempo de habitar
os cabelos sorriso pele

tudo anda tão vazio
tudo precisa tanto de cuidado

vou demorar aqui dentro
não me apressa, por favor

tem sido uma grande bagunça
é preciso uma grande mudança
há muito tempo que moro no mesmo lugar.

não vale

a vontade é de me ajoelhar
abraçar tuas pernas com força
beijar por detrás dos joelhos
e clamar
por uma linearidade que nem eu mesma quero

é que hoje me vi tão abalada
e tão novamente

porque ruidosamente nos amamos
e desamamos dentro da minha cabeça
tantas vezes
quase que de maneira lunar

tanto tempo, dessa vez
esse cansaço arranhou mais fundo

tanto gozo, que veio aquela velha exaustão
de acender cigarros e querer distância

ciclos

choques

os jogos

uma vontade de lanhar o rosto

respiro
não a ofegante de ontem
mas a amigável
o ar que segura na mão

dar meia-volta
estaca zero
pra retomar a escalada tensa que inventamos

como é bom suar os dedos no próprio corpo
pra segurar o ímpeto de chorar palavras duras
que sequer significam
que dirá atingem

com força digo de toda dor
nesse espaço que não mais nos simboliza

mas escolhi escrever
trêmula como ontem
mas com dedos sem paixão
repletos de uma mágoa generosa
que sofre mas torce

enfim
orgasmei palavras cheias de
de amor e de vida
caminhei sob teus olhos
segurei o choro
virei na primeira esquina
e cai.




ainda te amo como nunca amei ninguém

Embalar meu filho para dormir todo dia é espaço livre para viver memórias e cenas que nunca aconteceram. Não raro eu choro por razões completamente avessas ao momento tão sagrado de adormecer um filho.  

Na última mais marcante vez, eu decidi procurar pela minha versão de 13 anos, pra avisar dos amores que valeriam, e dos que não tanto. Foi tão curta a viagem! Mal te encontrei, notei que cruel é inventar para uma jovem o não futuro do amor. Impor uma dureza de alma e coração tal como se eu a tivesse. 

De pronto, você me gritou eu amo este homem como nunca amei ninguém. Só pude concordar. Lembrei das noites na cama estreita chorando pelo carinho que sonhei e perdi. Mas logo em seguida rememorei os calores de tantos toques, dos olhares em silêncio, das perguntas clichês do amor novo no que você está pensando agora?, e dos beijos que se encaixavam sem esforço. 
 
Então, pude acolher a honestidade do tanto que senti e sinto.

Eu nunca amarei ninguém como eu te amo. Porque nunca fui interrompida no viver. Porque permiti todas as dores, e todo brilho nos olhos ardeu por tantos homens e mulheres que me afetaram. Que me constroem. Nada me permite deixar de amá-los.