sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

alta tensão

teus dedos percorreram meu braço
tua voz lambeu-me rosto pescoço nuca
esses olhos sempre úmidos enxergaram meu corpo trêmulo
corações gêmeos irrigaram nossos extremos
e vibrações inéditas alcançaram cantos ermos

tua força extrapolou os toques
imantados numa energia sem nome
desenho sem razão como fuga ao que me emociona

completamente ébria por cheiros que anseio
tenho em mim todos as memórias do que desejo que aconteça
minha pele arrepia-se em encanto e torpor
não me resta ar algum

sobra esse tesão dos dias que se seguem
sobra um silêncio para sonhar
transbordo em instinto a se domar

"...sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe..."

Tem o relógio
e a vida inteira.
A sensação de estar perdida.
E o encontro dos nossos olhos
que param os meus dias.
Sem cessar
meus olhos se abrem todas as manhãs
e antes de agradecer por isso
vem seu sorriso, e me distrai
vem sua voz
ela toca meu rosto como uma fita

tenho em mim o amor de muito tempo
tenho em mim um calor constante
que me arde a pele no momento exato
que me toca
que me olha
que gargalha

sonho com sensações novas
subo degraus até você a cada dia

Há quem se apaixone por homens
por mulheres
por corpos
por jeitos
eu me apaixono pela idealização

pelo toque sob a roupa
pelas pintas que se escapam da camisa
pelas espinhas que sinalizam seus hábitos
pelas orelhas sempre vermelhas
pelo seu encadeamento de raciocínio
pela sua forma de aprendizagem

conheço suas fases
e não consigo lê-las
com sua imagem diante dos meus olhos.
Meus passos caminham sempre ao encontro
Isso que nem certo está
mas que é uma engrenagem tão harmônica

terça-feira, 17 de outubro de 2017

me deixa respirar em paz

os demônios, as decisões,
os filhos que não vieram
alguns dias para trazer à tona

das piores sensações
de todas as sentidas
o grito que eu trago
é sempre o que me esfacela

tua capacidade de não ouvir
com meu excesso de escuta
dá voz para o que não foi dito
e espaço ao que destrói

tua pequenez de alma que pensa
em crescer
só faz me diminuir
com as tuas palavras abusivas
me estapeando no silêncio

teus dedos me penetram e acusam
seu corpo me aperta e sufoca
meus dias tornaram-se escassos
o que me pertence tornou teu


terça-feira, 15 de agosto de 2017

a bicicleta


o lápis.

o chico
e o tom

silvia - um vento
dia branco
a ostra

café
a pele
pêlos mordidas

cabelo
blusa - vestido

vermelho

a poesia
do(i)s bichos
no sofá.

uma lista
a ordem
tudo no lugar

domingo, 30 de julho de 2017

dia desses conheci um homem.


Francês, direto e poeta. Nunca acreditei que essas virtudes seriam miscíveis. Eu te juro que a poesia é virtude. Paul Valéry. "Seu amor não correspondido por Mme Rovira precipitou uma crise que o levou a renunciar à poesia e a consagrar-se ao culto exclusivo da razão e inteligência."

Morreu junto com a morte da II Guerra em 45, mas sem estragos.

Ele me colocou diante de uma vergonha de pensamento arrogante-contemporâneo. Que ser pensador social antes de Zuckerberg, de Orkut Büyükkökten, me impressiona. É o último grito na lucidez mental espiritual, que não demandou socialização extrema para se dar a certas conclusões da doença das relações. Prova um gole: Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.

***

Carrego uma auto-promessa que é a de escrever sem a máscara poética. E cercada de tantas palavras duras vindas daquele corpo pequeno que me trouxe ao mundo, escolhi hoje. Normalmente eu a chamo de mãe. Mãezinha, linda, fofinha, momõe. Só que hoje... A doçura escapuliu. A poesia saiu correndo. O sol se pudesse, desbrilhava. Mas não pôde. Assim como eu: não posso tirá-la da função como uma peça de encaixar. Se eu pudesse. Só por hoje... Só por hoje? Que mentira. São tantos os dias, os anos, os fatos. Milhares de vezes a maternidade se desencaixa, descombina, perde a mão. Mancha-se. Perco a mãe. 

Não tenho dúvida alguma que ela não calcula nem mede. Ela apenas fala.
Cospe dor em formatos de palavras e segue. Fico com aquele cheiro de desgosto e lide com isso, minha filha.

Por tantas vezes eu sou minha própria mãe.
A gente que se equilibre com estes pratos.
A gente. Nós.
Já faz tanto tempo que sou unidade na experiência de aguentar.
É cliché de filha machucada, sim, mas é que o corte é tão profundo e tão sempre.

Só tive tempo de abrir a porta e me fechar. Despi-me de roupa, lembrança, vitimismo.
Encarei o espelho, literalmente, pra chorar todas as águas. Escoei as mágoas, e escolhi admitir que está difícil.
Quando nos desmascaramos pra nós mesmos, não há decepção. Há encontro.
Som e fúria também é meditar. Basta ser presente.

É preciso ser leve como o pássaro e não como a pluma.

Entendi que a sua frustração é não me ver caminhando a vida que ela desenhou dentro da própria cabeça. Dos seus planos A e B, não pude seguir nenhum.
Estou completamente fora da curva normal da filha da mãe.

Se eu tenho uma curva normal? Tive.
Por sorte desenhei de lápis.
Já apaguei.
Claro que ainda ficou ali, resquícios bem marcados de uma vida que não deu certo. Um vale profundo no papel, soltando ecos de frustração. Vozes que me freiam e me desencorajam.

Quando jogo luz sobre a sombra, vejo tudo.
E me alegro nessa visão, de uma maneira até um pouco assustadora.

O problema do nosso tempo é que o futuro não é o que costumava ser.




domingo, 2 de julho de 2017

mas é longe, mesmo por perto


procure deixar vivo na memória os nãos que ele te disse, mesmo sem dizer nada.
ainda que em meio a tantos sim

mesmo que isso não signifique o não amor.
nem dele, nem teu
há amor nos olhos dele.
no rubor do rosto.
tudo é autêntico, e você pode acreditar no coração que vê
pode acolher o sorriso de segunda
não precisa duvidar do lamento disfarçado de alegria na sexta
pode e deve, inclusive, seguir amando
aquele amor gratuito sem moedas
que você sabe que é raro
mas que se orgulha
e se estrepa - por sentir

amor pode vir naquele formato que não encaixa no buraco do seu peito.

ele pode rir
ele pode nem por mal não fazer
só não pode você esquecer
das não respostas
da comunicação pouco clara
das pequenas vergonhas
das vezes que ele se divertiu com seu mal jeito do onde se sentar
onde você se perguntava se valia mais encostar a perna ou o braço
se valia o olho em linha reta
ou a orelha e barba de perto
de onde o vento vinha trazendo o perfume dele

não se esquece nunca dos silêncios que ele te obrigou encarar
e que te levou pra tantas elucubrações sem respostas

tem areia demais no olho, e está foda de enxergar a vida com clareza
mas não se canse de procurar, enumerar, relembrar
de todas as oportunidades que ele teve te poupar, cuidar. alertar.
se responsabilizar também por esse jogo de palavras não ditas.



quinta-feira, 29 de junho de 2017

O amor bate na aorta (C. Drummond de Andrade)

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

quarta-feira, 14 de junho de 2017

não sou dada aos barulhos. eles me arrepiam. acaba de passar pelos meus ouvidos um ruído seco, metralhado, de um carro com um homem pequenino que coleta lixo nos arredores de onde estou: no meio do nada, esperando ninguém, ou quem vier. livro aberto há 6 meses como todos os outros. do amor e outros demônios. abri. uma página e um roer do ar nas minhas costas. um ruído novo e temos um arrepio. não pude distinguir se era frio ou uma honesta vontade de explodir o motor que arruinava meu cérebro por segundos.
pequenos espaços e seus barulhos. gargalhadas do que nao posso rir, ou não vi graça alguma. vozes finas senão as minhas, que faço em descontrole ou amorzinho.
acabei de perceber como sou insuportável quando amo em descontrole.
por isso, venho te dizendo. os barulhos me arrepiam. os pacotes, os alaridos. os toque-toques dos passos de quem me vem e eu não vejo. tenho nervos frágeis apesar do largo sorriso. uma moto estoura o cano de descarga neste segundo. só pode ser de sacanagem, escuto claramente a voz dos meus pêlos gritando por toda nuca.
tenho amado essa conversa com o corpo. máquina fiel, performática, e adaptativa. tenho apreciado sensações, observações e o fascínio da voz que ele emite. fala todo os dias, como um deus que ordena, acolhe e assovia. sussurra em diminuto som: "os barulhos me arrepiam".

sábado, 10 de junho de 2017

Canção Excêntrica (Cecília Meireles)

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.



segunda-feira, 5 de junho de 2017

tom e elis



desde o dia em que você se tornou meu (único) leitor, passei a viver sempre na duvida quando do ímpeto de escrever.
se eu escrevo pra você ler, com notas de escondido, com um quê de nosso lugar, ou se escrevo porque é urgente, se quando chego neste ponto é porque as palavras já estão em refluxo dentro de mim.

e se eu escrevo, escolho todas as palavras. não por métrica ou estética - mas por não saber como isso pode ressonar dentro de você. o quanto as minhas alucinações podem ter assustar.

não.
nenhuma intenção egoísta - ou quase dissimulada - de manipular seu pensamento com as minhas coisas ditas não ditas. mas é que se urge a escrita é porque me calo todos os dias em mil coisas pra te dizer.
das dores que venho sentindo,
da consciência que aperta - e do nunca ter falado abertamente dessa culpa.
do quão honesto é o meu sentimento.
e do quanto que eu sofro, e por vezes me arrependo, desse mergulho insano que fiz pra dentro dos teus olhos, dos teus cheiros, e da textura dos seus dedos - te cheirar é como me abrigar do mundo, da chuva que tem sido os dias.
sensações tão doces e sempre tão novas.

toda vez que te encontro é sempre a primeira vez.

---

uma história inventada. que acalenta e incomoda. um encantamento sem fim o poder te olhar fixamente, te perceber todos os dias. todos os gestos, sorrisos, tons de voz que variam. perceber você dentro do momento.
sofrer quando está fora dele.

e quando cala a frustração, ou a culpa por sentir tanto por alguém que já pertence a outra história, é uma dor tão honesta, tao doída de ser sentida ocasionalmente, que eu escolhi compartilhar.
porque suaviza.
porque é um sofrer sem esperar, sem pedir.

e faço isso aqui, somente aqui, por ser esse o espaço em que me desnudo.
criado por mim, relembrado por você e desenhado pra nós.

terça-feira, 23 de maio de 2017

estar só é um desembainhar de espada todos os dias. escolher estar só para enfim, ser de verdade. é deixar vir todos os clichês que remetem ao medo do desconhecido, o medo de ser sozinha e a bravura da luta, da travessia, do enfrentar dos dias. estar só é ter a capacidade de deixar o mundo de lado para viver pra dentro. ouvir seus próprios barulhos, seus desejos e acima de tudo, seus silêncios. a beleza da convivência, do compartilhar de tempo e espaço, do expor os dias para a pessoa amada é condição valiosa de vida. mas não essencial. os dias terminam e eu não tenho com quem dividi-los. e se, por ventura, essa frase te soou como derrota, como tadismo, reescrevo intransitiva:
os dias apenas terminam.
e não ter com quem dividi-los é tarefa pra uma mente que se preparou. chegar até onde cheguei, com a lucidez que me presenteei. foi preciso um investimento moral. ir e voltar todos os dias à vida que tive para compreender a vida que eu tenho. e cada vez que me olho no espelho, acrescento uma nova habilidade. sem vaidade, sem egolatria. sinto "apenas" uma grande parceria com meu eu que desabrocha. "tenho em mim todos os sonhos do mundo."


sábado, 6 de maio de 2017

"...quando a gente se sorri, é o mundo que sorri."

quanto tempo falta para que a minha respiração deixe de ofegar nos minutos que antecedem os teus olhos?
quanto tempo ainda tenho para desfrutar do branco dos teus dentes que tanto se mostram quando estou por perto?
quanto ainda me sobra de certeza do quão bem te faço? e quanto me resta do que posso calcular que sou capaz de fazer?
quantas noites silenciosas concluirão meus dias com seu rosto desenhado no breu?
quanta arte ainda irá despertar no meu espírito que por tanto tempo se concretizou em uma vida automática sem criações?
quantos recadinhos de gratidão cafona escreverei e por quanto tempo esse amor irá me encorajar por compartilha-los contigo?
quantos detalhes do teu corpo eu celebro por descobrir sem nunca poder conhecer?
quanto de perfume resta no frasco que se esvazia nas respirações profundas que dou à distância quando te cheiro na sua ausência?
quanta distância sentida irá se apagar no momento em que te encontro, sempre com o calor de uma primeira vez?
quantas lágrimas alegres derramarei sorrindo - com toda verdade que meu coração é capaz de sentir - quando noto a verdade da inteireza da sua presença quando somos dois - no nosso silêncio confortável?
quantas músicas perturbadoramente lindas e descompassadas me lembrarão nossas psicopatias e bobeiras que a ninguém atingem?

quanto tempo me resta desses dias, embebidos numa bruma de um amor que nem sei se amor é, mas que eu desfruto, que me toca com a ponta dos dedos, conduzindo dias, decisões, poesias, que tem um cheiro bom, da coragem de ser, um gosto apurado e sem açúcar do que é abstrato, do que não é coisa alguma, sentido sequer sentimento, mas que tem todo tempo do mundo para existir nos meus dias, sem pressa, sem nome, sem ponto de interrogação para dar o tom desse parágrafo que estamos escrevendo.

(Título: https://www.youtube.com/watch?v=KgByzAEJI24)

quarta-feira, 12 de abril de 2017

o tal do buraco no peito.

quando tomamos a decisão de sermos sozinhos, nós não nos preparamos.
pensamos que sim, mas não.
estamos crus, inéditos, intocáveis.
vem o silêncio, a falta, o novo e o medo, a mais velha de todas as novidades.

os dias oscilam, as pessoas atravessam seu caminho, as emoções se renovam a todo instante, e tudo que desejamos, muitas vezes, é o contrário do que o cenário oferece.
porque somos assim mesmo: ingratos. não inquietos, ou inconformados.
somos ingratos.

porque a vida se pinta e se mostra colorida, apresenta novos cheiros, sabores, olhares, e tudo que suplicamos é um cenário fantasiado, irreal. idealizado.

idealizar traz tanto uma conotação de correto quanto estúpidos somos.
é de uma esperteza infantil, a de se imaginar de tal modo feliz - monocromáticos, regulares, emocionalmente monótonos.

"...Tesão da vida
Doce espera."

e é uma espera com pitada de movimento, porque a vida não acontece da inércia.
a vida na espera é fria, escrota, e cheia de porcarias.
a ação te oferece troca, calor.

te oferece vento no rosto.


(...) e depois das gargalhadas, uma pausa. tentei me localizar nas sensações dessa vida que me impus.
se estou cercada do que desejei, do que conquistei ou do que me impuseram.
se estou vítima ou protagonista, ainda que essas opções nem antagônicas sejam.
se acolhi esse buraco em meu peito sem forçar encaixes descombinados, na simples explicação de protegê-lo, de não [me] expor.

se corro, para onde e porquê.
ou de quem.
onde quero chegar, e como.

(e por falar em gargalhadas, de tanto que as amo quando fazemos juntos, cadenciados, intensos, presentes, eu posso senti-las como um beijo seu. mas hoje eu resolvi te dar um descanso das minhas palavras. por vezes tão pesadas, e tão cheias de um amor que nunca te pergunto se está disposto a receber. um amor goela abaixo. sempre maior do que o que te mostro.)





segunda-feira, 6 de março de 2017

Do eu de agora (ou "Um gostar que já vale pelo tanto que escrevo")

depois de viver tudo
com todos
de jeitos muitos
eu cheguei aqui

cabelo em fios desalinhados
roupas amassadas
trocando pernas
e pedindo que me deixe

que me deixe escrever um pouco
me deixe sentir de novo
deixe amar torto
fingindo displicência
em disfarce do tanto que você me é.

que me deixe pensar
que aqui dentro há mais entre nós
que no mundo real
que tenho além
do que posso querer

E quero o tempo todo
sem pressa alguma
te sentir sempre

E, então, virou isso:
esse te sentir sem espera
sem dívida
sem data
nome
ou versão

gostar apenas porque cabe
amar um amor pra sempre
e um também amar pra nunca

ai... nuca.
Acabo de sentir seu cheiro
de novo.

aqui dentro da cabeça. de novo. e de novo.

veio junto com os barulhos que faço
em sussurro
só pra você escutar
sons que vão escorrendo de mim
pro ar, e que você (es)colhe.

Ahh.

Suspiro.

E todos os dias é tudo isso
eu e tu
sem pudor
num abraço que cabe a vida toda
que me amolece inteira
que tem prazo
(não limite)
vai até um cruzar de porta
É um encostar de pele
que dura o tempo do universo
ou vai até o brotar de alguém
ou dum barulho.

Susto.

Afasta.

Dedos se entrelaçam, e se soltam.

Da memória arranco aquele olho direito
que pisca pra mim
em eco.

Outro suspiro.

E que me deixe, por favor
te amar pra nunca.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Mensagem de Ausência Temporária

Se eu pudesse, eu nunca partiria.
Se eu pudesse, fincava bandeiras, pés, mãos.

E permaneceria.

poder te sorrir sem pressa
de dentro pra fora
segurar suas mãos
te mastigar com os olhos

e observar cada detalhe

pele pêlos.

E te cheirar.

Te ver preencher o ambiente vazio
Te permitir avivar
o que deixaram morrer aos poucos
e ninguém viu.

Colorir com silêncios.
gargalhadas
e pitadas de um perfume que invade
aqui dentro. Todos os dias.

E permanece.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Cortazar

"Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar."

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

evangelho segundo o fim do dia.

Quando a dor é forte, ela te faz calar. Quando a dor é forte, o silêncio é como aquele se deitar em posição fetal, protegendo-se dos barulhos do mundo. Até passar. Acolhimento de si, laço íntimo mais estreito a cada dia.
Não é de hoje que enxergo vazio nas terceiras palavras. E essa ausência de qualquer coisa não traz maldade, vaidade, nem má vontade. É que o sentimento de dentro não se deixa ler por quem está de fora. E aí é você, consciência, divindade e paciência. A crença não é num Deus, é num Tempo. Pra viver, sofrer, digerir, absorver, sem contornar e poder falar: já passou.

Dor é um troço que atua em contraste com o sangue. Não se misura, arrasta-se por todo o corpo. Quando a dor é forte, ela é sistêmica. Não passa com pílulas, músicas. Nem com poesia dor passa. Ela fica, se acomoda, resmunga feito parente. Amamos a dor, sem aprender a convive-la.

Quando a dor é forte, ela tem tom de voz. É rouca, arranha, chama atenção. Causa estranhamento. Tem charme de primeiros momentos, mas desgasta os ouvidos da nossa alma.

Quando a dor é forte, ela imobiliza. Dócil, pega na mão da gente, faz como quem puxa pra dançar. E num rodopio te empurra de volta pra vida, te lembra que não tem pausa. Quando a dor é forte, ela te instrui enquanto machuca. Ela te segura no fim do dia, te faz chorar sem companhia. Te faz chorar só pra si. Pra lembrar que ela é sua. Monogâmica, dedicada, presente.

Quando a dor é forte, ela te confunde. Medo, repugnância, vergonha num olhar do espelho. Lágrima, fragilidade, boca avermelhando. Te faz feia. Você foge. Dor corre, te puxa. Te faz arder em inspiração. Paralisa no banho. Dor impaciente, interrompe a rotina e diz 'larga tudo, me escreve.'

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Ode ao fauno

Teus olhos conversam comigo diariamente.
Falam da saudade de uma vida que ainda falta.
Tocam minha pele,
Têm movimento,
e sem esforço
colocam os fios do meu cabelo atrás da minha orelha.

Não são daqueles feitos de cor única
Que brilham, e ponto.
São noturnos, pesados, constantemente acesos

Teus olhos têm cheiro.
Madeira antiga e papel de livro novo.
Trazem cores que não sei o nome.
Uma, duas. Mudam como você.
É feito um brinquedo simples
que encanta, não custa
mas vale todo tempo.

Todos os dias se valem
por segundos olhando os teus olhos.

Correr pra alcançá-los.
Despertar e vir de longe a passos largos
Vidrá-los de perto pela ponta dos pés.
Sentir os cílios com a ponta dos dedos.

São frágeis, os teus olhos.

Amargam pelo mundo ao redor
Lêem corpos sem esforço algum.
Enxergam entrelinhas em movimentos alheios.

Eles sofrem, os teus olhos,
Quase pelo tempo todo.
Dissipando dores ao som de risadas
Que foram lágrimas em rubor no rosto.

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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

no one comes near.

"Nova postagem" - clique.

Voltar para casa, depois uma grande jornada. 
E ninguém pra me receber.
Talvez caminhe pelos cômodos, sinta aquele cheiro de guardado, e volte pra rua.
Talvez prenda a respiração, tire o pó da superfície e fique.
De certo que corre tanta inspiração que assusta. A desordem da pausa enlouquece. Cinco anos.
São dois, os caminhos. Insistir ou recuar.

Ainda nessa semana conversava com meu pai.
Ele retornava de uma experiência muito inusitada. A de retirar uma grande colmeia do telhado da casa. Com direito a homens vestidos de apicultores. Correção do pensamento infantil: com direito a apicultores. José aprendeu que uma abelha, retornando ao local, à procura de sua colmeia de origem, obviamente não a encontra. Desse grupo de abelhas perdidas e desabrigadas, sucedem dois caminhos: a morte ou adaptação a novas colmeias, incorporando à rotina, ritmo e regras da nova Rainha. 

Casa em abandono.
Abelhas sem rumo.
Essa imagens. E outras tantas figuras, que correm diante dos meus olhos sobre esse mar de dias à frente. Cinco anos.

Eu não sei onde entra ingratidão, onde encaixar a revolta. Todos ao redor aguardando os menores sentimentos entredentes, e tudo que sou capaz de sentir é o estar contente. Contentamento do dever cumprido, olheira funda das infinitas tentativas, aprendizados que transbordam pelos poros e fios. Vermelhos em disfarce do branco que tratou de aparecer.

Trinta anos. É muito mais tarde agora no relógio do que é de fato na vida, pra se retomar. Pra ser.

Pé ante pé. Humildade, auto-cuidado e olhar atento. Estou de volta. Escolhi desempoeirar as palavras. Escolhi ser a abelha que vive.